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Nossa formação enquanto povo se confunde com a religiosidade crista que impregnou as relações e os sentidos da vida. A identidade nacional passa pelos cultos religiosos, os fatos que servem de testemunho para se perceber o poder da retórica cristã na vida dos brasileiros.
O “Aparecida” é a identidade importante da imagem encontrada por pescadores em 1717, no rio Paraíba do Sul, em São Paulo.
O incrível desta história é que a imagem foi encontrada em dois lançamentos de rede. No primeiro se pescou o corpo e, mais a frente no rio, a cabeça da santa. Qual a chance de isto acontecer?
A pescaria que estava ruim ficou boa após o achado das duas partes da Santa. Este é um elemento importante da história e do valor que crer tem. O fato se torna o marco entre o bem e o mal. Estava ruim e ficou bom.
A esposa de um dos pescadores colou corpo e cabeça e construiu um pequeno altar em casa para louvar Nossa Senhora.
Ao longo da história o altar virou uma capela e de uma capela uma Igreja. Hoje, o maior templo católico na América e um dos maiores do mundo. Hoje, Aparecida do Norte é um local de devoção.
O caminho da Santa a se transformar em Padroeira do Brasil foi longo. Somente em 1930 ela foi reconhecida. Em 1953 se oficializou o dia 12 de outubro como o Dia da Padroeira. E com a visita do Papa Paulo II em 1980 o então presidente João Baptista Figueiredo decretou o feriado nacional.
O número de devotos a Santa se multiplicou e os rituais ligados a ela se tornaram complexos. A peregrinação é uma das características de um povo que acredita que a interferência divina poderá lhe trazer um alívio a dor.
O Santuário de Aparecida do Norte é uma demonstração de força popular da fé e do poder que ela tem de movimentar a esperança das pessoas. Quem se sacrifica pela vontade de ver realizado o desejo, o sonho, se liberar da dor, ter o melhor caminho escolhido.
Muitas das manifestações populares de fé se traduziram em lideranças religiosas que assumiam o papel de “santos vivos”, aqueles que iriam guiar a população para a salvação, superando os males que lhes atingiam.
A representação da liderança religiosa nas terras que vieram a forma o Brasil remontam sua ocupação. A presença dos padres ligados as ordens religiosas, os jesuítas foram marcantes neste sentido.
Ao longo da histórica luta popular contra os mandos e desmandos da ordem estabelecida a fé foi uma saída comum. Se crer no além para interpretar uma vida marcada de injustiça a que não se tem uma ação racional que lhe dê saída.
No mundo dos grandes senhores de terras que se constituiu o território brasileiro, os coronéis foram determinantes na vida pública, na sobrevivência dos seres humanos em seu cotidiano.
Padre Cícero (1844-1934), em Juazeiro do Norte, também carrega em si o mesmo elemento. Considerado um santo popular. Sem canonização oficial é um elemento de crença da vida popular. A história do padre do Ceará remonta os embates entre coronéis e a disputa pelo poder.
Defensor das causas populares, o Padre Cícero se tornou objeto de louvor, defesa e crítica. Considerado um santo em vida, ele fez uma hóstia virar sangue em plena missa. A Igreja Católica não reconheceu o ato “santo”.
O padre foi excomungado e a Igreja Proibiu as peregrinações a Juazeiro, o que não impediu o apelo popular e continuidade das romarias e devoção.
A Igreja Católica o perdoou em 2015 e hoje há um processo na busca de canonizar Padre Cícero. Ele é reconhecido como herói popular e muitos milagres são atribuídos a ele.
Podemos litar inúmeros casos de santidade ou sinal de devoção e milagres no Brasil.
João e José Maria na chamada Região do Contestado, na divisa do Paraná com Santa Catarina. Entre 1912 a 1916 a disputa das terras entre os governos dos estados e as populações pobres se agrava com a construção da Ferrovia São Paulo-Rio Grande.
A empreitada ferroviária prometia mudar a realidade da região, trazer prosperidade. Mas, seria um divisor de águas na realidade que antecedia a linha férrea e os desdobramentos de sua instalação.
Desapropriando terras, explorando os trabalhadores durante as obras e promovendo massacres a empresa ferroviária viu brotar a crença popular liderada pelos monges. A fé se misturou as guerras pelo território.
A intervenção federal causou um massacre dos caboclos liderados por José Maria. Esse era o nome do beato que assumiu a identidade de seu antecessor e considerado milagreiro e enviado para proteger o povo por Deus.
Os mesmos messiânicos de sempre
Santos do pau-oco é a fé miserável que os beatifica
A maior demonstração de fé e a capacidade de movimenta as pessoas a resistir a miséria na busca de uma esperança foi a Guerra de Canudos (1896 e 1897). O beato Antônio Conselheiro, liderou milhares de sertanejos no interior da Bahia e formou o Arraial de Canudos.
O movimento buscava o estabelecimento dos sertanejos naquela que seria a “nova Jerusalém”, uma terra santa e prometida que seria justa e igual para todos. Se acredita em um lugar possível de se viver em paz e isso estaria associado a vontade de Deus.
Conselheiro, líder de Canudos, considerava que a república era um mal e que a monarquia era o governo de Deus. As manifestações populares contra a república neste movimento não eram consolidadas em um projeto de sociedade. Não era uma resistência ao regime republicano recém-instalado no país.
A manifestação era de associação simples entre a o discurso divino que se associou ao regime monárquico. E tudo o que é de Deus era tido como bom, inclusive o regime monárquico.
Canudos foi destruída após várias expedições das tropas federais, inclusive uma baiana.
Parece que a resistência do povo é maior quando tem fé.
Reflita em quantos movimentos nós temos com forte caráter religioso que acaba por ter muitos adeptos. Ainda hoje a religiosidade é instrumento de identificação, representação e, também, de manipulação, por melhor que sejam as intenções.
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