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O crime entre membros da própria família não é novidade. O chamado “parricídio” é ato de violência histórico. Os atos de violência e agressão contra os que moram “embaixo do mesmo teto” já virou literatura clássica.
Uma das publicações mais conhecidas no meio acadêmico é o livro de Michel Foucault, “Eu, Pierre Rivière, que degolei minha mãe, minha irmã̃ e meu irmão”. Um clássico das ciências humanas para quem quer entender a criminalidade dentro da família.
O pensador francês se transformou em uma referência na discussão sobre os fatores que desdobram a ação de violência nos diversos ambientes sociais. Nesta obra, Foucault analisa um processo de assassinato em família da primeira metade do Século XIX.
Na mende do criminoso há inúmeras alegações e lógicas. Quantas? Será que o assassino tinha seus motivos?
Claro que aí estaríamos entrando na particularidade daquele que comete o delito. E o que não falta são motivações, mesmo que sejam as torpes, mesquinhas e superficiais.
Na atualidade o crime dentro da família cresce. As principais vítimas são os mais frágeis, é claro. Eles estão mais acessíveis e não podem se defender, estamos falando de mulheres, crianças e adolescentes.
Só para se ter uma ideia da violência que sofrem os que mais deveriam ser protegidos, oito em cada dez agressões contra a criança é feita por membros da família, os dados são da Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos.
Claro que a morte em família, segundo a Secretaria Nacional de Segurança Pública não representa mais que 4% dos crimes. Porém, ocorrendo onde ocorre, levanta um sinal de alerta.
Considero que para responder a esta questão é necessário sair de dentro da instituição familiar e compreender o papel social que ela já exerceu e que exerce.
A história recente nos mostra que a família é uma instituição em franca mutação. Ela continua existindo, contudo, está mudando de forma e de função.
Muito do que era o papel familiar foi transferido para fora deste ambiente. A educação dos filhos que já foi um ritual constante de repetição de comportamentos, agora já não se dá desta forma.
No passado, pais passavam para seus filhos as funções que exerciam, sejam elas domésticas ou de atividades profissionais. Desde cedo, na tenra idade, os filhos acompanhavam os pais no fazer e logo adquiriam o saber fazer. Assim também era a política e a religiosidade.
Agora, parte considerável desta formação se dá fora do ambiente familiar. Assim que nascem, os filhos vão para creches e de lá retornam para um breve momento em família intermediado por eletrônicos e atividades particulares.
As casas ampliaram seus cômodos e multiplicaram-se as tomadas para o uso de uma parafernália eletrônica individualizada. Cada um tem um perfil próprio e se abastece de seus desejos particulares nos ambientes privados dentro da mesma casa.
As relações de afetividade e de convivência mais constante se estabelecem fora do lar. Viver em família não é o mesmo que conviver.
Os rituais de almoço, janta, diversão e compromissos coletivos já não se dão com frequência. Logo, há uma ausência de identificação de comportamento coletivo.
A emancipação da mulher do papel doméstico de submissão patriarcal está ocorrendo. Não podemos esquecer que isso mudou para sempre a unidade familiar em torno do senhor absoluto, o pai.
A vida doméstica já não é mais a reprodução de papeis, deve e deveria ser a afetividade. Alguns sinais apontam para isso. Veja, os casamentos homoafetivos, entre pessoas do mesmo sexo, mais que dobrou entre 2013 e 2021, saltou de 3,7 mil para 9,1 mil. E vale lembrar, entre mulheres eles são mais de 60%.
Estas mudanças deixam a família mais democrática, mas também, mais violenta. O sentimento de pertencimento é fácil de ser adquirido, porém não vem comparado com o de intensidade das funções e sua relação com outras atividades sociais.
Logo, a família está mais democrática e livre, porém, não é mais a reprodutora de um padrão tido como ideal para a sociedade. Também, ela não é mais validada pelos elementos que lhe são externos. E sinto lhe dizer, isto não tem volta.
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