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Meu avô foi homem da roça. Pouco apegado a vida e as visitas urbanas. Me lembro que uma vez, doente e precisando se tratar na cidade, o velho ficou indignado ao ver casas tão próximas com cercas, vizinhos desconhecidos e pouca afeição entre as pessoas. Ironicamente os desconhecidos eram quem moravam ao lado.
Ele, meu avô, foi profético: “Como pode vocês viverem tão perto de outras pessoas e mal se falarem? Eu, moro a uma boa caminhada dos meus compadres, mas tenho por eles um sentimento de irmão.”
O que senhor Manoel, este era o nome do meu avô, expressava em sua sabedoria de matuto caipira era a condição cruel que a cidade gera para os seres humanos que vivem nela.
Por mais que os bairros aparentemente colocam as pessoas próximas fisicamente, esta proximidade é aparente. Elas não se identificam como comunidade. Longe de se perceberem com valores comuns, elas apenas dividem o mesmo espaço.
Émile Durkheim, o clássico cientista social francês, fala das relações de dependência urbana e do desenvolvimento da particularidade como identidade. Pessoas que dependem cada vez mais umas das outras, mas que nas relações não constroem uma identificação, estão distantes.
Diferente, segundo ele, das sociedades agrárias, onde se depende menos para se viver do outro, mas a identificação é mais intensa. Nas relações agrárias tradicionais, as pessoas estão fisicamente mais espaçadas, porém, as condições e ações tendem a ser mais comuns.
Antônio Cândido, cientista social brasileiro, em sua obra, Os parceiros do Rio Bonito, fala do êxodo rural e da formação de periferias urbanas. Ele analisa o como pessoas que vieram da zona rural perderam a identidade de comunidade no mundo da cidade.
O cientista social brasileiro analisa um caso específico de um bairro da grande São Paulo. E, como o caso que ele analisa, tantos outros se formaram com os diversos ciclos do êxodo rural gerando rompimentos.
Estou lembrando de tudo isso para que se perceba que a cidade é terra de aglomeração e solidão. Vivemos empilhados e ao mesmo tempo distantes.
O vizinho a poucos metros é ser estranho. Podemos até aparentar conhecê-lo, cumprimentá-lo toda a manhã, mas ele nos é apenas mais alguém. Sua proximidade física não gera qualquer intimidade. Parede a parede ele está distante do conceito de comunidade que se tinha na convivência agrária de nossos avós. Por isso, na cidade, estamos sempre desconfiados daqueles que nos rodeiam.
Também nos estressamos e criticamos os que cruzam o nosso caminho, convivem conosco todos os dias. Tomados pelos nossos interesses pessoais, o outro é um obstáculo entre nós e nossos objetivos, um intruso no caminho.
Por isso, muito da nossa violência diária, de nosso esgotamento e cansaço é o resultado dessa intensa multidão que enche os olhos e nos acelera o dia. Esta cidade “cheia de vidas”, porém, não nos dá qualquer sentido para viver.
Não por acaso, meu avô, quando vinha nos visitar sempre desejava ir embora o mais rápido possível. Lhe cansava os olhos esta vida urbana. Eu o entendia todas as vezes que ia visitá-lo. Porque não tinha vontade de voltar para casa, para a cidade. A falta do que nos distrair, com sons e imagens da vida urbana, nos fazia prestar atenção nas pessoas a nossa volta. Estávamos presentes na vida dos outros de fato naquela sociedade agrária.
Hoje, meus filhos não têm paciência de uma vida distante da multidão urbana. Preferem a sensação de agito solitário que a cidade cada vez mais oferece. Estão ambientados na vida urbana como se as coisas fabricadas pela indústria fossem fauna e flora.
Porém, os seres da vida urbana não se reconhecem mais nos outros, preferem a si mesmo, por mais que vivam em crise existencial.
Deveríamos buscar nossa humanidade perdida em algum lugar. Talvez no sítio do meu avô, que já não existe mais por sinal.
Só sei que amar a vida só é possível com o sentido que os outros nos dão. Essa coisa do “amor-próprio” é duvidosa. Pelo menos é bem diferente do que amar a semelhança com quem está tão próximo. Assim aprendo a ser humano, não nasci sabendo.
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