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Sociedade de Consumo: Como surgiu? O que significa? Quais suas características?
“A sociedade de consumo não é uma característica de um número restrito de pessoas. Não são alguns que fazem parte dela, todos estamos mergulhados na simbologia e na lógica que ela produz e, pior, nos faz ser e viver para o consumo.”
O que nos faz identificar a sociedade de consumo como uma característica da vida contemporânea? Um pequeno olhar para todos os lados da vida urbana, dos meios de comunicação, dos aparelhos conectados e já temos a dimensão. Quantas opções.
Tantas coisas nos distraem a todo o momento que vivemos para o consumo. O tempo e o tempo todo estamos mergulhados em tarefas de acessar informações, ler, ver e escolher em um ambiente fantasioso que nos dá a sensação de dinamismo e não saímos do lugar.
Não somos nós que vamos a busca de alguém, de algo que nos interessa. As coisas passam a nossa frente e ficamos parados e afogados de tantas possibilidades. Como sabem o que queremos? Como se tanta informação sobre nossos passos? Como tantas possibilidades são ao mesmo tempo tão sedutoras?
Bem-vindo ao mundo do consumo!
O final da Segunda Guerra Mundial (1945) deixou o mundo abalado com a capacidade de destruição promovido pelo ser humano. Não seria por acaso que o Século XX acabou sendo conhecido como o “Século da Morte”. A quantidade de guerras e do extermínio de civis foi assustadora.
O ambiente de produção do capitalismo também ressentiu o longo período de guerras, em especial a encerrada em 1945. O principal resultado da última guerra mundial foi a devastação. A imagem da bomba que caiu sobre Hiroshima e Nagazaki ainda é um símbolo de destruição.
A Europa foi o continente mais devastado com a Guerra. O parque industrial europeu foi duramente atingido durante o conflito. A reconstrução se estabeleceu durante o Século XX, mas a força de trabalho precisava ser reposta em curto espaço de tempo. A Europa perdeu força produtiva e necessitou refazer sua lógica de produção.
Da mesma forma, o capitalismo norte-americano viveu o processo de expansão com o investimento em ações de empresas europeias e a penetração das empresas estadunidenses em novos mercados.
A política econômica mundial estava em expansão e jogando pesado para garantir as grandes empresas espaço de crescimento sobre novas plataformas de produção. Uma nova logística se estabelecia, a criação de uma rede de produção planetária. Unidades produtivas, indústrias e montadoras, eram instaladas em países que até então a economia era fundada na agricultura exportadora.
A economia brasileira sofreu uma profunda alteração com o processo de industrialização ocorrido durante as duas guerras mundiais (1914 a 1945). Buscando uma produção que compensasse a falta de produtos importados e um aumento pela demanda de gêneros agrícolas em todo o mundo, o capital brasileiro viu crescer o mercado interno e a possiblidade de implantação de unidades industriais no país.
Desta a Primeira República (1889 a 1930) o poder público investiu gradativamente em estrutura primária para o setor industrial. A implantação de ferrovias para o escoamento dos produtos agrícolas se associava ao crescente número de pessoas ingressando no mercado de trabalho e se tornando consumidores.
A partir de 1930, a política econômica do governo Vargas inaugura uma ação efetiva na busca de gerar infraestrutura e promover o desenvolvimento industrial do país. Cidades crescem dentro de uma economia planificada, característica do período.
Uma das políticas econômicas que demonstraram o sucesso do investimento do setor industrial foi a de Juscelino Kubitschek (1956 a 1960). O desenvolvimentismo industrial promovido prometido e promovido pelo presidente, com o slogan “50 anos em 5” foi bem-sucedido.
A presença das multinacionais no país levou a um rápido processo de industrialização. As cidades cresceram, como também o consumo de produtos mundiais. A vida urbana superaria ao longo do Século XX a importância da vida rural. Na década de 1970 o país passou a ter mais trabalhadores urbanos do que rural.
As empresas multinacionais se tornaram presentes na vida econômica mundial, o que no Brasil, como afirmamos até este momento, não foi diferente. Os letreiros nas ruas anunciavam as marcas das empresas mundiais. Os produtos a serem consumidos e que traziam o slogan das empresas multinacionais cresceu vertiginosamente.
A penetração das multinacionais em países que até então tinham uma economia tipicamente agrária muda gradativamente as relações econômicas, sociais e políticas. Ao mesmo tempo, e é o que nos interessa aqui, mudam também os hábitos.
As práticas do dia a dia, os rituais da vida vão ganhando um novo sentido. O ambiente ao redor vai se reorganizando e demonstrando os efeitos da mercantilização da realidade. O que antes não era disponível para a compra passa a ser, o que se fazia no ambiente doméstico agora pode se comprar.
O cotidiano acelera gradativamente entre as décadas de 1950 a 1990. Em um prazo de trinta anos a vida urbana ganha uma dinâmica intensa e constante de movimento e informação. Os letreiros de empresas e os ambientes de consumo se multiplicam. A mercadoria começa a se mostrar e os objetos começam a ganhar vida.
Antes era preciso encontrar o que se desejava, agora, o que nem sonhávamos em desejar nos busca e nos encontra nos lugares mais inusitados. De repente, como um encontro casual, aparece o que nem sabíamos que existia, mas que se torna algo irresistível em nossas vidas.
Não é preciso ir longe para entender que o processo de expansão da produção industrial multiplicou os objetos de consumo. O que antes se produzia com as próprias mãos agora se compra nas prateleiras e no balcão.
A vida fica monetizada na proporção em que os produtos chamados de “inovadores” reinventam o cotidiano. Os alimentos se personificam e se multiplicam nas gôndolas dos mercados. O que antes era uma arte de saber fazer agora se encontra a disposição com uma mercadoria.
Perceba a quantidade de produtos oferecidos no setor de alimentos. Nunca deixo de falar com meus alunos sobre as “batatas fritas” que são vendidas com diversos saberes. Lá não está a batata e muito menos os ingredientes do sabor que se oferece.
Para que nos iludam com gosto, para que nos façam sentirmos satisfeitos em consumir a sensação pela realidade. Se desdobram estudos constantes sobre o ser humano. Um estudo aprofundado sobre as reações biopsíquicas, como é seu comportamento, sua capacidade de adaptação, sua cultura, enfim, nunca se estudou tanto o ser humano como agora.
Saber sobre a vida humana é hoje a especialidade de muitos campos de conhecimento e parte considerável deles voltados ao estudo e estímulo ao consumo. O avanço técnico, resultado das pesquisas científicas, criando ambientes e ferramentas de acessibilidade ao mercado, ofertando produtos e serviço, é uma realidade que podemos observar escancarada em nossa frente.
Tanta inteligência recriou os ambientes onde nos dispomos ao consumo. As cidades que se dividem em bairros, algumas delas sempre tiveram uma “fronteira” invisível que separava os moradores ilustres daqueles que eram colocados embaixo do tapete vermelho.
Nem todos os lugares são para todas as pessoas. Os ambientes cada vez menos são democráticos e mais se associam ao bilhete de ingresso aos locais de satisfação. Não se pode circular à vontade, há uma barreira, ela não é visível, mas extremamente sensível.
Semelhantes as portas automáticas dos shoppings, que se abrem quando nos aproximamos graças aos sensores, há dentro destes locais um alerta que nem todos podem circular. Os que não estiverem dentro do padrão desejado devem sair ou serão retirados.
Logo, a inclusão e exclusão vai se associando a aquisição. O sentimento de pertencimento ganha notoriedade na medida em que associa a convivência social aos ambientes de estímulo ao consumo.
Não por acaso, nas escolas públicas e privadas, onde a educação deve imperar como objetivo fundamental do lugar, se associa a convivência entre as pessoas com a simbologia dos bens de consumo. O objeto que determina o valor. Nas rodas dos alunos, também de professor, no centro do debate está os rituais de aquisição e identificação.
As pessoas se comparam e valorizam o ser humano na medida das coisas que tem associadas à sua existência se apresentam. Você é o que tem? Diria que a lógica é que se torna difícil identificar o ser humano sem que lhe seja atribuído o valor a partir dos elementos que se vê associado a ele.
A pessoa deixa de ser em si alguém para ser a extensão das coisas e lugares que estão associados a ela. Desumanizo o ser humano e humanizo os objetos. As pessoas são a expressão harmônica dos lugares, bens e serviços associados a ela.
Este é um tema inesgotável. Há inúmeros aspectos da Sociedade de Consumo que merecem ser analisados profundamente.
Um destes aspectos interessantes da sociedade de consumidores são os relacionamentos amorosos. Zygmunt Bauman dedicou uma obra sua para este tema, “Amores Líquidos”. Nela ele analisa as relações afetivas que estamos construindo na atualidade.
Somos superficiais em nossas relações. Elas não duram muito e não foram feitas para isso. No final, as pessoas não estão se relacionando com outras, projetam no “outro” suas intenções e desejos. Aquele com o qual se relaciona é um objeto de consumo. E serem consumidos é algo que muitos desejam.
Relações efêmeras, superficiais, se multiplicam. Contudo, elas são intensas. Marcadas por declarações de amor bombásticas, espetaculares, empolgantes, mas não se sustentam ao longo do tempo.
Talvez, para parte considerável das pessoas, um relacionamento duradouro seria insuportável. Conhecer a fundo um ser humano seria entedioso, afinal se as pessoas buscam fugir de si mesmas, quem deseja se encontrar com outra pessoa.
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