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Geração perdida entre a liberdade e a culpa

A arte é uma expressão de seu tempo? Sim. Ela pode ser visionária também, porém, expressa a angústia muito mais do que influencia comportamentos.

Logo, quando falamos da produção musical dos anos de 1980 e 1990 há que se ter cautela. E para não deixar de pisar nos ovos sem quebrar, é bom começar contextualizando o momento ao qual estamos nos referindo.

Tempos de heranças de medos e perda de sentido

Há uma música de Daniela Mercury, em parceria com Tony Augusto e Ramón Cruz, Geração perdida (…) mortos sem vida, a dor que ainda dói. A composição foi lançada em 1992. Na música, intencional ou não, chamava a geração da época de Geração do nada, que ressuscitou sem morrer… Uma frase fantástica e muito explicativa.

Em plena abertura política no Brasil, se viu terminar uma Ditadura Militar (1964 a 1985) com um processo de mudança que se herda sem significado profundo para quem vivia a abertura. Éramos jovens, herdeiros de um retorno a liberdade, conquista e luta, mas mergulhados em uma existência que exigia mais.

Como ser mais do que os que os que nos antecederam em um desafio de ir além da luta pela liberdade? A grande questão era: “O que se faz quando se é livre?” Acredito que foi aí que o deboche da vida e a temática da existência ganhou força. Saímos da grande causa pública para as angústias de uma existência que busca sentido. Esta foi a grande tônica das músicas dos anos de 1980 e 1990.

Uma geração que viveu a abertura econômica viu também a abertura política. Nos dois acontecimentos uma busca de consciência associada as possibilidades de uma liberdade de agir e ter. De um lado a geração viveu a intensidade de ser livre em escolhas, porém, cobrada moralmente pelas rupturas.

Não se pode esquecer que a geração das últimas décadas do Século XX foram as que intensificaram o rompimento das tradições como o casamento, a vida sexual. Foi esta geração que iniciou a prática da liberdade física e das questões de gênero.

Foi ela quem passou a desejar a vida além das formalidades institucionais do que foi feito para durar, o casamento já não era “para sempre”, o amor romântico virou o sonho apenas imediato sem compromisso de durar, por mais que se desejava a segurança da vida a dois como a geração anterior.

O avanço técnico também foi sentido nos primeiros passos da geração dos que hoje tem 40 ou 50 mais. Porém, distante de ser o que é na atualidade, o meio técnico alterou a relação com a informação. O imediato começa a surgir como objeto de interesse. Os temas das canções passam a ser as relações momentâneas, porém, com uma busca de sentido.

Algumas obras, artistas e sinais

Alguns dos compositores e cantores que marcaram os anos de 1980 e 1990 são uma expressão da busca do sentido de valor que a transição do mundo das lutas políticas de combate a opressão dá lugar aos desejos da particularidade em busca de sentido.

Uma das expressões da Marina Lima, cantora e compositora e sua sequência de temáticas existencialistas tem o “Eu” como personagem vital. Músicas como “Fugas” ou, emblematicamente, “Eu te amo Você”. Vale lembrar de “Mesmo que seja Eu”. O apelo a existir e viver com um foco na autodescoberta e a pessoalidade. Silenciosamente se começava a romper com as lutas coletivas e se mergulha na própria existência.

O poema da vida é de saber decifrar a própria existência. Esta é a linha das composições. Uma expressão do sentimento traçado por um contraponto do passado sem futuro. A angústia de viver já não era mais a resistência a opressão e sim a busca da própria essência. Por isso, Geração Perdida é um bom título para esta juventude entre o fim do regime ditatorial e a abertura do mercado para o consumo intenso.

Legião Urbana e Renato Russo demonstram a angústia da existência e a comparação constante com os pais e o dilema de se saber um dia ter filhos. “Tempo perdido”, “Pais e Filhos” são algumas das composições que expressam a ideia de um sentido existencial.

Vale lembrar, no caso da banda Legião Urbana, a música “Eduardo e Mônica”, a possibilidade do diferente da tradição dos romances da família tradicional com o encontro fundado na emoção. A retórica do “amor que tudo pode”.

A arte influencia ou expressa?

Nunca fui adepto de acreditar na arte como influenciadora. Vejo ela expressar a vontade que muitos realizam em ato usando a expressão artística como inspiração, a música é a trilha sonora de uma intenção.

O que repousa na mente e no coração acabam sendo as mãos que lapidam a matéria-prima da arte e a obra nasce. A música dos anos de 1980 e 1990 foram isso. Uma expressão de um tempo que não se repete ou volta, mas fundamental para entender o sentido do que veio antes e depois.

Acredito que os quarentões e cinquentões da atualidade herdaram a liberdade conquistada a duras penas, sofrida, marcada pelas privações da geração anterior, e se perdeu na liberdade de garantir a quem venho depois o direito de ser sem limites. Por isso a existência foi tema caro e constante das composições musicais deste período.

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