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A razão leva à Deus?

A cultura cristã e seu peso na formação do Ocidente

O pensamento cristão se estabeleceu na Europa dentro do Império Romano (Séculos I a.C a V). Logo, seria impossível separar a cultura cristão da universalidade romana. A construção de um império que dominou diversos povos e criou uma lei, língua e práticas de dominação universais, são fundamentais para entender em que bases e relações o cristianismo vai se estabelecer.

A pregação cristã irá se estabelecer na Europa como um contraponto ao poder romano. Porém, sua propagação se dá dentro da estrutura e ordem romana que contraditoriamente nega. Um dos exemplos é a língua latina, que foi considerada sacra e foi a língua oficial do Império Romano na Europa. É um agir no mundo negando as próprias condições que lhe dão forma. 

No caso da língua latina, podemos considerar a própria forma de compreensão que a língua dá em relação aos significados das palavras e o sentido da ação registrado na mente e na produção dos registros da vida em geral. Algo que poucos percebemos ao usarmos a língua como forma de comunicação. Mas, esta é uma questão para outro momento. Porém, o que nos importa aqui é perceber a influência romana na formação do cristinismo. 

Outro elemento fundamental na formação do cristianismo na Europa é a influência do pensamento grego. A filosofia grega clássica vai ser referência de análise das Sagradas Escrituras para inúmeros pensadores do Período Medieval (Séculos V a XIV). Em especial para dois deles, Santo Agostinho de Hipona (354 a 430) e São Tomás de Aquino (1225 a 1274). 

Agostinho terá uma formação fundada no pensamento platônico, enquanto Aquino terá uma formação aristotélica. Os dois foram fundamentais na consolidação das duas principais correntes do cristianismo na medievalidade, a Patrística e a Escolástica. E será sobre São Tomás de Aquino que este texto trata.

O pensamento aristotélico de São Tomás de Aquino

Nascido em uma família de nobres franceses, Tomás de Aquino assumiu em sua vida uma postura própria de ligação com o cristianismo ainda jovem. A vida eclesiástica já lhe era interesse desde muito jovem, o que não agradava a sua família. Os conflitos vividos por seu desejo de ingressar na vida religiosa lhe custou rupturas e agressões.

Em sua história, fatos demonstram a busca de persuadi-lo a não ingressar na vida eclesiástica. O mais conhecido é de familiares terem colocado uma prostituta nua em seu quarto para que ele se entregasse aos prazeres da carne e desistisse de ingressar na Igreja.  

Aquino se manteve firme ao seu propósito, expulsou a mulher de seu quarto e rezou, pediu perdão a Deus pelos desejos que rondavam sua mente no momento da “tentação”. A partir deste fato, manteve-se firme no propósito de ingressar no clero e o fez com 19 anos. 

Vida eclesiástica

Após passar um tempo na Ordem Beneditina, Aquino ingressa por fim a corrente dominicana, a qual permanecerá fiel ao longo de sua vida. Foi professor de teologia em diversas instituições da Europa, na Itália foi onde se dedicou mais tempo e em um número maior de instituições religiosas. Lecionou teologia, lógica e prudência. Teve na “Suma Teológica” sua principal obra.

Foi influenciado pelo pensamento aristotélico, o que contrariava a tendência da Igreja de seu tempo. Lembrando que o pensamento agostiniano, em especial, era a referência na análise das Sagradas Escrituras e na postura da Igreja diante das questões humanas. Agostinho tomará um outro caminho filosófico, o que lhe custará um preço relativamente caro em sua carreira no clero. Somente após a sua morte é que o reconhecimento por sua obra se realizou. 

Por muitas vezes foi punido, suspenso de suas atividades eclesiásticas e criticado constantemente por suas posturas. Porém, considerava fundamental a importância do intelecto humano no enfrentamento das coisas deste mundo. Ou seja, a inteligência é condição cara e necessária para o cumprimento da vida. Na sua, foi um desafio constante. 

Depois de sua morte, 1274, São Tomás de Aquino foi canonizado (1323) e considerado o maior tutor da Igreja Católica em 1567, durante o processo de “contrarreforma”, momento em que o surgimento de novas correntes cristãs fora do catolicismo ameaça o poder do clero e rompia a unidade religiosa em diversas nações da Europa.

A linha filosófica de Aquino se tornou o condutor da resposta católica ao surgimento e avanço do movimento protestante. A postura de conservadorismo contra o crescimento de igrejas como a Luterana e Calvinista, exigiam uma ruptura com a visão que predominava na sociedade da Europa ocidental. 

Com o advento do desenvolvimento da economia de mercado e a perda do protagonismo cristão diante da sociedade cada vez mais industrializada e marcada pelos embates ideológicos distantes da influência cristã e católica, em 1931, São Tomás de Aquino e suas teses passam a ser instrumento de ordenação das instituições educacionais da Igreja.

Sobre o pensamento

O realismo aristotélico foi a base de compreensão do papel do ser humano em sua vida. Deus, na concepção de Aquino, não é o regente pleno da vida terrena, e sim o criador da lógica que governa o mundo. Segundo ele, “Deus é o fator primeiro de todas as coisas”. Por isso, em sua obra “Suma Teológica”, considerava que a fé deve ser resultado do entendimento e não algo que se deve ter acima da razão, como defendia Santo Agostinho.

Logo, o ser humano tem papel central nas teses tomistas. Ele é regente de sua vida e tem a liberdade de conduta em suas mãos. As escolhas que faz estão orientadas em uma capacidade de racionalidade do mundo e de suas escolhas. Desta forma, o mal não é algo que espia pela carne, como Agostinho defendia, mas é fruto da escolha racional do ser humano que não soube e não quis escolher o “bom” caminho.

A razão e a inteligência dela derivada é, para os tomistas, um dom de Deus. Foi dada ao ser humano e deve cumprir sua função fundamental, buscar a verdade através da experiência. O conhecimento é derivado da especulação empírica da vida e do entendimento de sua lógica.

Logo, há na racionalidade a capacidade de chegar a revelação, o conhecimento leva a verdade absoluta, Deus, como falamos anteriormente, o “fator primeiro de todas as coisas”. Aqui, para São Tomás de Aquino, há o encontro entre a lógica da experiência humana, do qual se atém a Filosofia, e, acima e determinante, aquela que a lógica de Deus, a Teologia. Ele é o primeiro a iniciar esta distinção, que mais tarde se traduzirá em rompimento definitivo destes dois campos. 

Sendo assim, a Filosofia e a Teologia estão em busca da verdade, definem conceitos, e chegam à mesma conclusão, segundo Tomás de Aquino. Se encontram no fator determinante sobre todas as coisas, Deus, sem que este seja o interventor das coisas que ocorrem no mundo, o que, para os tomistas, é resultado da ação própria das criaturas e em especial, dos seres humanos e sua capacidade de escolha, o livre-arbítrio. 

Quando a razão humana, porém, não é capaz de resolver os dilemas dos mistérios das coisas do mundo, as leis divinas lhe prestam a orientação para que se supere os limites da inteligência. Isso ocorre por ser Deus o “motor imóvel” do mundo. A condição “sublime” que a tudo está ligado, causa a atração pelo fator primeiro. 

As vias de se chegar a Deus pela inteligência

A busca da razão e da inteligência que leva a Deus, para São Tomás de Aquino, está presente tanto no ambiente do cosmos, das coisas materiais, aquilo que se experimenta e se observa, São, o que ele determina, como vias do fator determinante. Elas são quatro condições passíveis da experiência e uma da finalidade última, o motor imóvel, Deus. 

A primeira está presente no movimento das coisas, na relação causa e efeito sobre os fatos que existem, das coisas que acontecem. Tudo o que ocorre tem um fator causal. Por isso, para Aquino, Deus é o fator primeiro das causas materiais e se chegará a ele como determinação última. 

Na segunda via, há a “natureza da causa eficiente”, o porquê as coisas existem e para que servem. Se há a matéria, há nela a forma como se apresenta e nela a condição que lhe dá eficiência, função, neste mundo, nada existe do nada. Neste sentido, todos os acontecimentos se relacionam e, sendo assim, a lógica universal desta relação é Deus. Motor é o motivo pelo qual as coisas são como são.

Já a terceira via, é a condição porque as coisas são possíveis de ser, são o que são, e sua necessidade. No mundo, o que existe é na condição que é, na dimensão do que se apresenta, não podendo ser, na natureza das coisas, além do que é. Aqui há uma crítica à teoria das formas platônicas defendida por Agostinho. Para Tomás de Aquino, não vivemos no mundo das sombras e sim observamos as coisas como elas são em sua realidade última. Porém, a única coisa que não tem em si a necessidade determinada por outra coisa é Deus, o absoluto que faz tudo ser necessário.

E na quarta via, há o grau das coisas da maneira como elas se encontram e onde elas se encontram. Cada elemento está em um determinado lugar no mundo. Ali foi “colocado” e se encontra em relação com os demais sua função distinta e integrada para que tudo se dê da forma como deve. O imperfeito é a ausência daquilo que o complementa, logo, tudo realiza em si o que deve, porém, se justifica na condição que depende e determina a função dos demais elementos. O único elemento que a nada depende e é o primeiro fator de todas as coisas, é Deus.

Por fim, a quinta via, é a própria essência do porquê tudo existe. Eles seguem uma ordem, uma finalidade determinada sem ter consciência disso. E o fim inteligente, elemento do qual dá sentido ao porque todas as coisas existem na condição, forma e função é Deus. Neste ponto há o que consideramos a lógica teológica da lógica das coisas. 

Conclusão

Assim, é fundamental que possamos compreender que o pensamento tomista fundará uma conciliação entre conhecimento científico e a existência divina. Por isso, a escolástica se constituiu como a orientação filosófica que acreditava no conhecimento como elemento formador de todos os seres humanos. Após sua canonização e a oficialização da lógica tomista como o pensamento oficial da Igreja, condição ligada a Reforma Protestante (século XVI), como falamos anteriormente, as universidades católicas na Europa se dedicam a especulação racional da existência das coisas e a busca da orientação das “leis divinas” como determinantes deste conhecimento. 

Muito do pensamento cristão que se colocou como postura de governos e empresas de interesse político e econômico estiveram ligadas ao pensamento agostiniano e tomista. Não podemos esquecer jamais que o peso que a filosofia cristã teve na Europa ocidental esteve ligada diretamente a uma série de fatos que marcaram a existência humana. E devem ser consideradas desta forma. 

 

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