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As feridas que não cicatrizam são aquelas que se repetem constantemente. Todos os dias, com uma frequência incessante e pontual, a agressão acontece, e é esta que dói mais. Aquela que machuca por bater diariamente e faz com que a ferida aberta não consiga ser curada.
E não pense você que as agressões mais dolorosas são as anunciadas e abertas, feitas por quem assume a condição de agressor publicamente. Elas são praticadas no aparente ambiente da “normalidade”, feita com uma “naturalidade” assustadora.
O agressor pratica a ofensa de maneira habitual, o faz abusando na proporção em que percebe que não sofrerá resistência. Quanto mais sabe que não será contido, agride mais. Vai cunhando na mente e no coração do agredido uma identidade de rejeição, submissão, desprezo, preconceito e humilhação.
Estas agressões constantes ganham por vezes um número de associados. Aqueles que colaboram para que o agressor se sinta no direito de agredir. São os cúmplices silenciosos, os que assistem a cena e nada fazem. Compactuam com a agressão pela omissão.
Os espectadores, que estão assistindo a agressão e não denunciam, não agem para impedir, não se opõem e nem buscam evitar o abuso, estão “lavando as mãos” e demonstrando o quanto contemplam uma violência que um dia irá se desdobrar também sobre eles.
Muitos dos cúmplices plantam e colhem a agressão que não denunciam. Deixam crescer a erva daninha que um dia irá avançar sobre suas vidas. Acreditam ao silenciar que evitam aumentar a violência ou ser agredido. Contudo, na prática, estão alimentando um mal que também os ameaça.
Estas agressões diárias e constantes, também silenciosas, são incorporadas como verdades. São reforçados conceitos e princípios distorcidos. Legitimam práticas da tradicional naturalização de definições morais que recaem sobre todos e se submetem uns aos outros.
Talvez, o machismo seja a prática que melhor exemplifica esta lógica, mas o preconceito racial também permite compreender a violência constante e silenciosa. Violências que ocorrem em regra em um meio que sempre tem a ajuda dos cúmplices, dos que deixam o campo fértil para o agressor plantar a violência.
Lembre-se, sempre há uma história da violência construída na vida de todos e de cada um. Quando a agressão surge ela não aparece de repente, por um acaso, como o que surpreende por existir “fora de lugar”. Tudo o que surge na sociedade é plantado e cultivado pelo meio que a vê brotar.
Se não prepararmos o meio, se preservamos e prevenirmos a violência não ocorre. Onde o campo elimina a erva-daninha em seus primeiros sinais de aparição, nada ocorrerá. Se não se alimenta o ódio e não se deixa procriar, não se multiplicará.
Por isso, a violência não é somente o ato, ela é a condição que o permite existir. Observe, lembre-se, a agressão silenciosa e constante é a mais dolorida. Ela naturaliza o ato de agressão e cultiva o ambiente para expandir e multiplicar a agressividade.
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