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Quando li Sartre pela primeira vez, queria muito entender o sentido da má-fé. Ela não é a mentira consciente. Sempre pensei que fosse. É mais profundo, por isso, mais enganoso. Talvez afete os que consideram que seus credos e crenças sejam originais, verdadeiros. Porém, sem cumprir com a intensidade que a existência merece. Ser sem ser para si.
Neste momento, sei que parece confuso. Mas tentarei explicar. A má-fé não é aquelas ações elaboradas e conscientes, de pura fachada, para gerar uma aparência. Não é o líder religioso charlatão, sabendo que está enganando milhares de fiéis. Ele professa crenças, usa de seu carisma para dar intensidade ao culto. Não, isto é canalhice mesmo.
Ela é mais profunda a má-fé. É o perigo da ação que se compra pronta sem refletir o que se é na essência. Está muito mais no fiel que grita por justiça divina do que no líder demagogo. Se o líder manipula é porque o ignorante deseja repousar na ignorância de si. Isto o faz se sentir bem. É a anestesia que droga de forma letal a mente fraca.
Ela, a má-fé, se encontra onde o peso da consciência de nossos atos e convicções nos coloca a beira do colapso. Nos apegamos a algo que nos faz ser o que não somos para não sentir o peso de nossas escolhas. A má-fé é o perigo de se escapar de si. Quase sempre por medo.
Em sua obra, “O Ser e o Nada”, Sartre fala do garçom e o usa como exemplo do ser que se reveste do que não é. Seria o garçom no exercício de sua função, educado, gentil, pronto, atento, um ser de má-fé? Estaria ele no restaurante atendendo e passando a imagem de prontidão sem ser isso? A resposta seria sim e não.
Como garçom, no exercício de sua profissão, ele está garçom. Mas se tem consciência de que isso não é sua essência se não uma escolha momentânea que lhe exige a profissão. Nada de mal faz o garçom em ser apenas um momento. Mas se ele incorpora em todos os lugares a condição de ser garçom para poder se livrar do que realmente as suas angústias trazem à tona e está convencido disso, de forma profunda, ele mente para si, esta é sua má-fé.
Hoje aprendi muito, em pouco tempo. O bastante para rever posições, comparar sentimentos e descobrir que, apesar da idade, há muito de ingenuidade no que sinto. Não é o caso destes sentimentos infantis de jogar o que se senti fora. Sim entender qual o sentido de sentir e de ser. Aprender a conhecer para conviver com quem não merece o valor dado, mas se tem ao lado. Dar a si e aos outros o que o instante exige… sem má-fé.
Não somos bons e nem maus. Somos apenas jogados em um mundo onde temos a liberdade de escolha. Onde podemos compactuar ou não com o que nos relacionamos, tanto coisas como pessoas. Não há nada de anormal nisso. É a vida. Estranho se fosse diferente. Mas como fazer a diferença na vida? Esta é a questão da má-fé.
Aprendemos a viver sem que façamos uma reflexão profunda de qual sentido a vida tem. Nossa prática é de se apegar a um modelo que explique de forma lógica e nem sempre original o sentido das coisas que nos cerca. É nossa carência existencial. Afinal, nascemos, vivemos e morremos na solidão de termos que nos bastar. De sentirmos por nós mesmos a convivência. Melhor assim do que ter má-fé.
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