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Evolução da Antropologia Cultural: Do Etnocentrismo ao Relativismo Contemporâneo

Introdução

Este artigo é uma síntese aprofundada de uma aula dedicada aos alunos de Antropologia Cultural, abordando a trajetória histórica da disciplina, desde suas raízes etnocéntricas até os desdobramentos contemporâneos. Trata-se de um panorama fundamental para compreender como o olhar sobre o “outro” se transformou ao longo do tempo e como a antropologia se consolidou como campo essencial para entender a diversidade humana.

Origens Ocidentais e o Etnocentrismo

A antropologia surgiu como uma ciência ocidental, nascida na Europa, e marcada por um olhar etnocêntrico. O que o antropólogo François Laplantine denomina de “pré-antropologia” refere-se ao momento do encontro entre o Ocidente e outros povos — um encontro repleto de julgamentos baseados nos próprios valores europeus. Nesse contexto, a Europa se colocava como medida para avaliar os outros, rotulando culturas diferentes como “inferiores” ou “atrasadas”.

O Mito do Bom e do Mau Selvagem

Durante o período colonial, a categorização dos povos originários da América oscilava entre o “bom selvagem” e o “mau selvagem”. Os padres católicos, especialmente dominicanos, jesuíticas e franciscanos, viam os indígenas como seres puros e ingênuos, que apenas necessitavam ser catequizados e convertidos ao cristianismo. Em contrapartida, pensadores como Sepúlveda os consideravam maus, pecaminosos e, portanto, merecedores da escravidão ou do extermínio. Em ambos os casos, predominava o olhar ocidental que via o “selvagem” como alguém que precisava ser “civilizado”.

O Evolucionismo Cultural

Com o surgimento formal da antropologia no século XIX, autores como Lewis Henry Morgan sustentaram a ideia de uma escala evolutiva das civilizações. Para ele, os povos estudados pelo Ocidente viviam em estágios primitivos como a barbárie ou a selvageria, e o ápice dessa evolução era representado pela civilização ocidental. A figura de Tarzan, o “rei das selvas”, simboliza esse imaginário — um homem branco que, mesmo criado na selva, domina e lidera por sua “superioridade natural”.

O Relativismo Cultural e a Virada Antropológica

A crítica ao evolucionismo veio com pensadores como Franz Boas, o pai do relativismo cultural. Para Boas, não existe uma civilização superior a outra. Cada cultura deve ser compreendida em seus próprios termos, com base em suas experiências, valores e estruturas internas. Ele propunha uma ruptura com os modelos ocidentais de julgamento e dedicou-se a estudar os esquimós, fundando uma escola de antropologia cultural nos Estados Unidos.

O Funcionalismo e a Experiência Direta

Outro marco fundamental foi a contribuição de Bronislaw Malinowski, representante do funcionalismo. Malinowski acreditava que não bastava observar uma cultura à distância; era necessário viver com o grupo estudado, experimentar sua realidade. Durante mais de um ano, ele viveu entre os trobriandeses, imergindo completamente na sua cultura. Essa imersão permitia captar a lógica interna das ações e valores de uma sociedade de forma mais fiel e respeitosa.

A Antropologia na Contemporaneidade

Hoje, embora o evolucionismo esteja superado, suas marcas ainda são visíveis. A antropologia contemporânea, no entanto, volta o olhar para o próprio Ocidente. Estuda os espaços urbanos, as organizações, os bairros, as empresas e os novos agrupamentos sociais. Torna-se, assim, um instrumento essencial para entender como valores e símbolos moldam as relações humanas e como diferentes grupos constroem sentidos dentro de seus contextos específicos.

Pensadores Contemporâneos e a Crítica à Modernidade

Grandes nomes como Michel Foucault, Claude Lévi-Strauss, Jean Baudrillard, Pascal Bruckner e Zygmunt Bauman têm contribuído significativamente para o debate atual. Baudrillard e Bruckner alertam para a simbologia do consumo e a infantilização do sujeito moderno. Já Bauman nos apresenta o conceito de “modernidade líquida”, onde as relações humanas se tornam frágeis, efêmeras e descartáveis — reflexo de uma sociedade pautada pela fluidez e pela busca de satisfação imediata.

Considerações Finais

A antropologia cultural, desde suas raízes até os dias atuais, tem sido um espelho das transformações no olhar ocidental sobre o outro e sobre si mesmo. De uma ciência marcada pelo eurocentrismo, ela evoluiu para um campo de conhecimento que valoriza a diversidade, a escuta e o respeito às diferentes formas de viver. Em um mundo cada vez mais interconectado, a compreensão antropológica é vital para construir pontes, desfazer preconceitos e promover uma convivência ética e plural.

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Comentários

  1. José Henrique Emidio Pessoa Gonçalves disse:

    Olá professor, fiz a leitura dessa síntese sobre a antropologia, também assisti o vídeo e minha considerações são no sentido de te elogiar pelo trabalho bem feito e pela explicação clara e objetiva. De fato estudar o ser humano, sua ações e o meio em que ele vive é algo fantástico. Parabéns pelo artigo, eu espero um dia que a vontade e o despertar de escrever ou até me aprofundar no estudo sobre o ser humano e sua vivência não morram, sempre tive vontade de me estudar no assunto, mas infelizmente nos dias atuais quando se fala de sociologia ou antropologia, automaticamente há uma rotulação de certa forma preconceituosa, no sentido de que isso seria “ideologia comunista”, ou de que “isso não da dinheiro e é perda de tempo”. Contudo no meu ver essas ciências estão muito além, e talvez por isso seja mais conveniente apenas dizer que é uma mera ideologia do que de fato pensar, vejo que atualmente nós jovens não queremos pensar, compreender, socializar e etc, é muito mais conveniente aceitar o raso e o superficial. Por fim, mais uma vez parabéns pelo texto professor.

  2. Gilson Aguiar disse:

    Obrigado pelo comentário! Sua colocação é relevante e merece reflexão.
    Quanto ao que vivemos hoje, a principal questão, ao meu ver, é a relação que estabelecemos com o culto ao consumo. Ele se desumaniza. Consumir sempre foi uma necessidade da espécie humana, mas em nossa civilização o significado se potencializou incrivelmente. E, por isso, há hoje uma consciência construída na busca de ser pelos objetos e deles tirar o significado da existência.
    Percebo que isso vai além da idade, atinge a todos nós.

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