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O Brasil já foi a maior nação escravista do mundo. O número de seres humanos que foram trazidos a força nas caravelas, os navios negreiros, contrariando suas vontades, pagando por um destino que não escolheram, formam mais de 5 milhões de almas.
O comércio de pessoais ainda é uma prática comum. Infelizmente. Associando o comércio de escravos a transformar uma pessoa em uma posse, propriedade, patrimônio, de outra pessoa.
O “prazer” que muitos senhores sentiram de ter literalmente uma vida em suas mãos. O sentimento de “deus” dos velhos patriarcas agrários brasileiros repousava nas costas de seus escravos. Eram eles que sentiam no peso da chibate e a ferida aberta, a sangria por onde a ferida fazia escorrer sua dignidade, sua existência e sua integridade lentamente.
Entre os dados internacionais, o Relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT), através da Walk Free e Organização Internacional para Migrações, mostra que em 2021, 28 milhões de pessoas foram vítimas do Trabalho Forçado. O setor privado é responsável por 86% dos casos, sendo que 20% são crianças, o que corresponde a 3,3 milhões de pessoas.
Só este ano, nos primeiros meses, de janeiro a março, foram libertados 837 pessoas em condições de trabalho forçado ou análogo a escravidão. O maior número em 14 anos. A maioria desta exploração está na zona rural, 77,8% dos casos.
A exploração de pessoas em condições desumanas, degradantes, está em diversos setores. Mas neste início de ano foi encontrado na produção de arroz, cana-de-açúcar e uva. Destaque para as regiões sudeste e sul. Neste último caso, vinícolas tradicionais do país estavam envolvidas.
Entre as características das pessoas que acabam sendo exploradas em condição análogo a escravidão estão algumas informações que demonstram o quanto a exploração humana acaba por consolidar o que a história da violência nas relações de trabalho já expressa.
Dados da ONG Escravos Nem Pensar, através de dados do Ministério do Trabalho e Previdência, mostra que o Estado brasileiro onde mais ocorre o trabalho análogo a escravidão é o Pará.
Em 2022 foram 2.575 pessoas encontradas na condição de exploração compulsória de trabalho ou trabalho forçado. Sendo que 83% são negros, 95% homens, 58% são pessoas oriundas da Região Nordeste, 7% são analfabetos e 43% não tem ensino fundamental;
Apesar do predomínio do trabalho rural, há ocorrências nas cidades, sendo que a indústria têxtil e construção civil lideram as ocorrências.
Um dos fatos marcantes do trabalho análogo a escravidão se deu na produção de cana-de-açúcar, no noroeste paulista. 32 trabalhadores em condições de vida degradante, dormitórios sem higiene e endividados com os agenciadores do trabalho, os chamados “gatos”.
O fato ocorreu na cidade de Pirangi, São Paulo, mas os trabalhadores são de Minas Gerais. Eles foram transportados pelos aliciadores e foram alojados a 20 quilômetros do local de trabalho. Pagavam pelo deslocamento, endividando ainda mais os trabalhadores.
A dívida dos trabalhadores aumentava por causa da alimentação. Eles tinham que pedir para os “gatos” fornecerem comida que vinham de um armazém onde se abriu uma conta e as despesas se acumularam. Enfim, o ganho não seria capaz de cobrir as despesas.
Esta prática se chama “servidão por dívida”. Uma prática que lembra os tempos de substituição do trabalho escravo pelo trabalho livre no Brasil, onde os grandes proprietários de terra contratavam imigrantes para as fazendas e os endividavam.
Quantas famílias ficaram “presas” a propriedade rural por não conseguirem quitas as dívidas com seus “patrões”. O endividamento vinha de diversos fatores, aluguel, uso de ferramentas e compra no armazém que ficava dentro da propriedade rural.
O tempo passou, mas as coisas não mudaram.
No caso citado, no interior paulistas, os proprietários da área de plantio onde os trabalhadores atuavam foram obrigados a indenizar os trabalhadores. Através de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com o Ministério Público do Trabalho (MPT) e a Defensoria Pública da União (DPU). As verbas indenizatórias ficaram entre R$ 1 mil a R$ 5 mil para cada trabalhador.
Por mais que as denúncias tenham aumentado, há um grande número de pessoas que se encontram em condições de trabalho análogo a escravidão. Elas tem medo de denunciar e perder a condições de “sobrevivência”, por mais degradante que seja. Outros temem a represaria, temem serem perseguidos e exterminados.
O poder público tem poucos fiscais para monitorar as condições de trabalho no campo e na cidade. O que facilita sobremaneira a exploração de pessoas. Não se pode esquecer que os concursos públicos se encerraram e os fiscais estão se aposentando. Quem vai ficar de olho?
Muitos acusam também a nova legislação trabalhista, consideram que ela abriu espaço para se camuflar a exploração de pessoas. O que falta é fiscalização. O poder público não pode compactuar e abrir brechas para a violência no trabalho.
Outro fator que se deve levar a sério é o empobrecimento da população, a falta de qualificação e a disponibilidade de uma grande quantidade de pessoas que se dispõe a todo o tipo de relação e ambiente para garantir uma oportunidade de trabalho.
Há que se considerar as empresas que contratam trabalhadores terceirizados. Elas estão a busca de redução de custos de produção. E se existe quem arregimenta um grande número de pessoas para serem explorados ao extremo, o fato ocorre com intensidade. Proprietários devem ser mais atentos as empresas que contratam para terceirização e não compactuar com ilegalidade.
O Brasil tem historicamente um desprezo pelos trabalhadores de baixa renda, pela população que atua no trabalho braçal e com pouca escolaridade. São eles que mais sofrem assédio moral no trabalho.
Pela baixa formação, poucos conhecem seus direitos, o que facilita a exploração de trabalhadores. Se observar e pesquisar, você vai ver as pessoas que abandonam a escola no ensino fundamental e médio. Exatamente a condição educacional de grande parte de quem é vítima do trabalho análogo a escravidão.
Logo, a escravidão acabou no Brasil? Não acabou, se reinventou. Se ao longo do tempo deixou marcas e práticas de violência associadas ao trabalho, hoje é praticada sobre uma nova roupagem, marcada pelo desprezo aos seres humanos e as práticas violentas do trabalho.
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