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Educados para o consumo

Tudo começa na infância

Somos educados para o consumo. Se foi a sociedade de produtores. Agora, somos consumidores assíduos em busca de satisfazer os nossos desejos pessoais. O que poderia ser mais importante nesta vida?

Sim, se vive para o consumo. Se nasce e morre cercado de objetos que vão nos dando a dimensão de quem somos, para o que nascemos, com o que vivemos e o que devemos ser.

O recém-nascido é esperado, não por ser e ter uma vida inteira. Não é a longa duração da jornada da existência do ser humano que dará sentido aos seus atos e muito menos a sua espera. O que o faz ser desejado é a mudança de “status”. Agora, se pode ser pais consumidores.

A paternidade e a maternidade serão saboreadas socialmente ao apresentar a criança como uma extensão decorada dos objetos que vão identificá-la como um bebê bem ou malsucedido.

A criança não sabe, mas aprenderá ao longo de sua jornada que está condenada a ser julgada como uma extensão de coisas e ambientes. Ela saberá como deve se comportar diante dos demais seres humanos não pela função social que irá desempenhar, mas ela deve agir como o produto oferecido no mercado.

O desejo que provocamos é a medida de nossa importância. O ambiente de consumo é onde tudo é possível de ser adquirido. O que permanece como um objeto de sedução, com uma forte “demanda”, tem seu valor. Devemos compreender que o mercado nos aprovará ou reprovará. Não dependerá de nossas escolhas, mas se os outros nos escolherem.

Os pais, ao “adquirirem” a criança, já devem estar prontos a cumprir o manual da conduta esperada no ambiente de consumo. Seu comportamento deve ser inspirado no “estatuto” ou “manual” do proprietário.

Aquela educação herdada dos comportamentos familiares que antecederam a foram o ambiente onde cada um foi criado, no passado, tinha uma herança de relacionamento com o filho que chega ao mundo. Agora, esta conduta deve ser trocada pela relação e ação que a nova moda dos chamados “pais modernos” exige.

O que não falta são especialistas capacitados a dizer como bons pais devem agir. Há, nas redes sociais, no ambiente virtual, a realidade de como conviver de forma saudável com os filhos. Deve-se consumir nas orientações, produtos e ações tudo o que o consumo permite para fazer a criação da “criança consumidora” um sucesso.

A aparência releva mais que a essência

Neste ambiente de orientação estética e ambientada para o consumo, os pais podem pensar na criação dos filhos como uma diversão. A brincadeira de criança transformando o recém-nascido em um boneco de brinquedo que nos faz remeter a infância, quando brincávamos de adultos.

Não por acaso, os carrinhos de bebê, a roupinha da criança, os brinquedos que a rodeiam e todos os “enfeites” necessários são acessórios de uma diversão aparentemente interminável de pais esteticamente felizes com sua nova aquisição humana.

Por isso, e não por outra coisa, a realidade da criação e seus dilemas constantes se transformam em um problema de difícil solução. Mas, esta crise será “compensada” com a aquisição de objetos simbolizando a dimensão do sentimento, do amor.

Sim, nós crescemos cercados pelos objetos. Vamos aprendendo deste a tenra idade a incorporar sua lógica. Desde cedo ele se transforma em companheiro constante e mutável. Ironicamente eles, os objetos, irão passar por nós constantemente. Eles serão muitos. Raros são os que permanecem por mais um tempo, nenhum, nunca, por uma vida toda.

Logo, teremos uma sensação de movimento ao longo de nossa existência. Nascerá em nós uma percepção de que as mudanças são constantes, de um novo que sempre chega. Vamos criar o ambiente em que a monotonia é proibida pela própria “natureza” das coisas que nunca estão no mesmo lugar ou ficam, as que partem e as que chegam.

Aprenderemos que em nossa existência o que desaparece de nosso olhar ou aparece não necessita de explicação de destino ou origem. Nos isentará da responsabilidade de conhecer mais os objetos. Há uma sensação falsa da dádiva de que podemos desfrutá-los sem culpa e sem cumplicidade.

Neste ambiente, o ser humano vai se sentindo agitado, com uma vida de afazeres, intolerante a monotonia e a frustração de suas vontades. Tudo se faz como quer e na hora que quer. A única obrigação aparente que tem é esperar. O ser deve ser compensado pelo que quer, ironicamente, somente por existir.

Alguém me socorre?

Ao final, e concluindo, o ser humano criado pelo consumo tem uma percepção de movimento, mas nunca saiu do lugar. Ele é estático, são as coisas, os objetos, que se movimentam ao redor dele.

Por consequência, o sentimento de inutilidade que muitos dos criados neste ambiente tem é propagado. “Campo comum” onde terapeutas ganham fortunas. O ser inútil vem quando a vida necessita de reação e ação solitária ou solidária as coisas humanas e não dos objetos.

Quando se precisa de um conteúdo que seja fruto da experiência madura das mudanças da vida vivida e não assistida, não há resposta. O ser humano não consegue se sentir humano, neste momento, ele é apenas um “objeto”. E com a lógica dos objetos de consumo tenta resolver o vazio profundo, tapa o buraco do foço da essência com uma terapia rápida.

Não por acaso, os terapeutas estão agora acumulando pacientes e se transformando em gurus das fórmulas rápidas. Eles têm os mais variados nomes, se intitulam por inúmeras siglas, estão dispostos a resolver todos os seus problemas.

Agora estamos enchendo os divãs dos terapeutas com a indústria da solidão do ser criado por coisas que morrem cedo e deixam muitos órfãos

A lógica de atendimento das terapias é a mesma das lojas do shopping, “Entre, aqui você vai se sentir gente e temos o que você precisa”. A velha retórica da exclusividade massificada. Se vende a mesma coisa para muitos, mas se atende cada um como se fosse único.

A infância mergulha nesta realidade dos terapeutas muito cedo. Com pouca idade o ser que se pariu é um “estranho” no ninho. Já não é mais o centro das atenções como foi nas famílias nucleares tradicionais que eram marcadas pela permanência unidade custe o que custar.

Agora, o rebento vira um problema e pode se tornar um “estorvo” na busca de pais aparentemente adultos que não renunciam a seus dilemas. Enquanto os filhos não sabem que são, os pais querem ser filhos e terem alguém que se responsabilize por eles.

Logo, o ser humano está se encolhendo diante de um mundo que não traz em si a essência da experiência do amadurecimento. Estamos perdendo o significado da renúncia e da frustração. Não podemos ser satisfeitos o tempo todo. Há uma grande quantidade de pessoas que devem aprender e reaprender isso.

A jornada é longa no sentido contrário ao dos objetos. É, por muitas vezes, ingrata. O reconhecimento da necessidade de seres humanos em relação direta com outros seres humanos ainda não se demonstra como necessária, mas é vital.

Ou retomamos o sentido efetivo da vida com as pessoas e pelas pessoas, ou estaremos fadados a solidão acompanhada de objetos humanos e seres desumanos.

 

 

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