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É sempre um privilégio dialogar sobre temas que atravessam nossa compreensão histórica e social. Hoje, a reflexão recai sobre a formação econômica e política dos Estados Nacionais Europeus. Para entender esse processo, é essencial reconhecer que, assim como na economia, as escolhas políticas também envolvem limitações e priorizações.
A economia parte da ideia de que as necessidades humanas são múltiplas, mas os recursos para satisfazê-las são escassos — seja por questões de natureza, de estrutura material, de meios de produção ou de tempo. Dedicar-se a uma atividade significa abrir mão de outra, gerando ganhos em eficiência em certos aspectos e perdas em outros. A formação dos Estados Nacionais seguiu lógica semelhante: limitou-se por estruturas históricas, sociais e culturais, e se construiu a partir de escolhas que definiram os rumos de cada país.
Entre os modelos europeus, dois casos são centrais: Portugal e Inglaterra. O primeiro, pela relação direta com a formação histórica do Brasil, foi protagonista da expansão marítima e da colonização do território americano. O segundo, embora não tenha sido pioneiro nas grandes navegações por não possuir inicialmente um Estado centralizado, consolidou ao longo do tempo o capitalismo e se tornou a maior potência econômica mundial.
Enquanto Portugal conquistou rotas comerciais e vastos territórios, não conseguiu reter de forma plena os resultados do processo produtivo. Já a Inglaterra, ao estruturar uma economia capitalista interna sólida, expandiu sua influência e capitalizou a riqueza gerada, sustentando-se como liderança global.
A formação política de Portugal remonta ao século XII, com a dinastia de Borgonha e a reconquista da Península Ibérica, então sob domínio muçulmano desde o século VIII. Esse longo processo, marcado pela retomada gradual de territórios pelos reinos católicos, consolidou-se em 1492, quando a Espanha conquistou a Andaluzia. Nesse mesmo ano, Portugal já havia dobrado o Cabo da Boa Esperança e estava prestes a alcançar as Índias, consolidando-se como pioneiro da navegação oceânica.
A monarquia portuguesa era centralizadora, territorialista e patrimonialista. Isso significa que o patrimônio do rei e o patrimônio do Estado se confundiam, criando um sistema em que a figura real era o centro absoluto de poder político, econômico e jurídico. O rei era senhor das terras, das pessoas e das riquezas, e determinava o rumo da economia nacional. Assim, a expansão marítima portuguesa foi rigidamente controlada pelo Estado, que organizava rotas, conquistas e colonização.
A Revolução de Avis, no século XV, consolidou uma nova dinastia, de origem portuguesa, marcada pela necessidade de resistir à constante ameaça da Espanha em anexar Portugal. Essa tensão obrigou o país a fortalecer sua autonomia por meio da centralização do poder régio e pela expansão marítima como estratégia de sobrevivência e afirmação no cenário europeu.
Como lembrou Camões: “Navegar é preciso.” E, para Portugal, essa necessidade foi vital. O mar tornou-se o espaço de afirmação nacional, garantido pelo controle absoluto da Coroa sobre as conquistas, colônias e rotas comerciais.
Esse modelo de centralismo também se refletiu na colonização da América. Inicialmente, Portugal instituiu as capitanias hereditárias, que perduraram até o século XVIII. Mas, diante da necessidade de maior controle, instalou em 1545 o Governo-Geral, que representava a autoridade central da Coroa nos territórios coloniais.
Essa estrutura resultava no que se chama de nepotismo português: os governadores e administradores eram frequentemente parentes ou aliados diretos do rei, escolhidos pela confiança pessoal que inspiravam. Assim, o poder colonial não era descentralizado nem fruto da iniciativa local, mas uma extensão da autoridade do monarca.
Diferente de Portugal, a Inglaterra consolidou-se com base na união entre a nobreza feudal e os comerciantes urbanos. Esse arranjo resultou na formação do Parlamento, com a Câmara dos Lordes, que representava os nobres, e a Câmara dos Comuns, que representava a burguesia mercantil.
Esse sistema foi estabelecido já na Magna Carta (1215), que limitava o poder do rei e garantia que decisões fundamentais — como declarar guerras, aprovar tributos ou validar medidas administrativas — passassem pela autorização parlamentar. A monarquia inglesa, portanto, não se impôs de forma absoluta, mas representou um equilíbrio entre forças políticas diversas.
Isso criou um ambiente favorável à iniciativa privada, permitindo que autoridades locais e agentes econômicos ganhassem força e autonomia em relação ao Estado.
Outro ponto de contraste entre Portugal e Inglaterra foi o papel da religião. Em Portugal, o catolicismo era indissociável da monarquia absolutista e servia como critério jurídico e social, fortalecendo o centralismo do poder régio.
Na Inglaterra, embora houvesse controle estatal sobre a prática religiosa, existia maior tolerância a diferentes vertentes, desde que não questionassem a autoridade política. Essa relativa liberdade, inclusive, esteve presente no processo de colonização das treze colônias americanas, que receberam opositores do rei, mas mantiveram sua diversidade religiosa sob a tutela do Estado.
Enquanto em Portugal a economia dependia diretamente das determinações do rei, na Inglaterra ela emergia das próprias forças sociais internas, que pressionavam a monarquia a representá-las. O exemplo mais notório foi o reinado de Elizabeth I, que se apoiou no fortalecimento de empresários e comerciantes ingleses, incentivando práticas como a pirataria contra navios espanhóis e portugueses para enriquecer e sustentar o poder da Coroa.
Na Inglaterra, o Estado representava interesses econômicos internos já consolidados. Em Portugal, o rei era o criador e mantenedor das condições para o desenvolvimento econômico. Essa diferença estrutural fez com que o Estado inglês se adaptasse às transformações, enquanto em Portugal a preservação da autoridade régia se tornava um entrave ao surgimento de novas forças produtivas.
Esse modelo patrimonialista português deixou marcas profundas no Brasil. Até hoje, em muitos casos, o desenvolvimento econômico ainda se apresenta como uma concessão do Estado, mais do que como resultado da eficiência das atividades privadas. Em outras palavras, o poder econômico, em nosso contexto, continua fortemente vinculado à proximidade com autoridades políticas.
A história política de Inglaterra e Portugal produziu impactos distintos em suas trajetórias econômicas. Enquanto na Inglaterra a força do Parlamento e da iniciativa privada impulsionava o desenvolvimento capitalista, Portugal seguia um modelo de Estado centralizado, patrimonialista e voltado para a exploração colonial sob forte controle da Coroa.
Essa diferença não significa que um modelo seja necessariamente melhor ou pior do que o outro. O que se observa é que, para a lógica capitalista, a Inglaterra mostrou-se mais eficiente. O fortalecimento da produção, a capacidade de gerar riqueza, o processo de acumulação e a difusão de inovações técnicas encontraram terreno fértil em um ambiente político descentralizado e dinâmico.
Em Portugal, a própria constituição do poder e da autoridade impôs limites ao desenvolvimento econômico. O caso brasileiro ilustra bem essa situação. Já em 1750, o Brasil apresentava praticamente o mesmo território que tem hoje, resultado da expansão conduzida sob a lógica patrimonialista herdada de Portugal.
Enquanto isso, as treze colônias inglesas, em 1750, eram apenas uma estreita faixa costeira no Atlântico. Diferentemente do Brasil, sua grande expansão territorial viria após a independência, refletindo o modelo de união e associação que a própria Inglaterra havia experimentado no processo de formação de seu Estado Nacional.
No Brasil e em Portugal, o patrimonialismo — a confusão entre o público e o privado, entre os interesses do Estado e os interesses pessoais da elite dirigente — estruturou a economia e a política. Essa herança moldou a vida econômica de forma particular, em contraste com o modelo inglês, em que as colônias se organizaram de maneira mais autônoma e sob a égide de valores associados ao contrato, à iniciativa privada e à representação política.
Essas diferenças mostram como a economia não pode ser analisada de forma isolada, apenas por números, produção ou demanda. O contexto político e cultural é fundamental para entender seus rumos.
Uma economia se manifesta em dados objetivos: mercados, investimentos, produção, consumo e números que podem ser analisados matematicamente. Mas essa dimensão não é suficiente. O elemento cultural e político, por vezes, é decisivo para compreender por que uma economia prospera em determinada direção e não em outra.
Esse “campo fértil” é constituído por tradições, práticas costumeiras, valores sociais e estruturas de poder. A economia, nesse sentido, não é um fenômeno universal e neutro: cada sociedade molda sua atividade econômica a partir de sua cultura, suas instituições e seu ambiente político.
Compreender a economia exige, portanto, um olhar mais amplo: enxergá-la como parte de um processo social que envolve valores, disputas de poder e instituições históricas. Inglaterra e Portugal, com suas trajetórias distintas, ilustram como a política e a cultura são determinantes na construção dos caminhos econômicos.
Cada lugar, cada sociedade, define suas possibilidades econômicas a partir de sua própria constituição cultural e política. É nesse encontro entre números e valores, entre produção e tradições, que se revelam os destinos distintos das nações.
Até a próxima.