Comentários
1 min
A oralidade foi o elemento mais comum na comunicação da sociedade brasileira durante o período colonial ao advento do rádio e da televisão.
A ignorância da população colonial em relação a escrita foi uma prática da colonização portuguesa. Temendo os efeitos da imprensa na Europa, a coroa lusitana tinha a real dimensão do que a escrita poderia fazer. Ela consolidada ideais e ideais. Formaria uma ação política mais contundente contra a dominação de portugal sobre as diversas regiões da colônia. Vale lembrar, uma diversidade territorial que demarcava ambientes diferentes na convivência com o colonizador.
Em regiões como o nordeste açucareiro, quando a colonização se consolidou e passou a gerar uma sociedade ativa e com iniciativas próprias, a existência de uma imprensa escrita poderia ter direcionado o território colonial para outros ambientes de desenvolvimento de ações econômicas, organizações sociais e movimentos políticos contrários ao interesse português.
No sudeste durante o processo minerador, quando Minas Gerais se transformou no principal núcleo de extração aurífera português, o desenvolvimento de uma sociedade mais abastada gerou uma demanda pela imprensa. Proibida mais do que nunca por Portugal. Eram tempos das teorias das luzes que já demonstrava os perigos de seu pensamento em relação a monarquia de poder divino que sobrevivia no território da metrópole.
O Século XVIII foi marcado pelo auge da mineração, mas também pela propagação das ideias liberais. Pior, a decadência do extrativismo coincidiu com a Independência dos Estados Unidos da América (1776) e a Revolução Francesa (1789). Movimentos inspiradores para uma elite colonial que percebia a possibilidade de tomar as rédeas do poder dentro de sua região de domínio.
O nacionalismo que se pretende desenhar no “conto” oficial da história pátria se demonstra mais o desejo de uma unidade que repousa na construção idealizada do Estado Nacional Brasileiro do pós independência e em especial na ditadura varguista de 1930. O povo da colônia está distante do sentimento nacional e unidade territorial. Muito mais apego as diferenças regionais e suas preocupações diárias. A vida marcada por um cotidiano de sobrevivência sem pretensões de um projeto político que se quer fazia parte de seu imaginário, dos diálogos ou ideias de estado e poder.
Por isso, não podemos desprezar o papel que a comunicação oral ganhou no território colonial. Aliada a ela, a simbologia dos gestos, do comportamento diário, da estética dos lugares, em especial os associados a religiosidade e poder dos senhores.
A oralidade é sem dúvida o instrumento de comunicação do dia a dia. A reunião de pessoas, o poder falar e se fazer ouvir, ou reproduzir, repassar o conteúdo das conversas chegando as distorções propositais ou não do que se conta é do que se é contado. Quantas lendas não nascem disso e se transformam em identidade dos lugares.
Lembrando que, mesmo com a oralidade há uma memória permanente. A transitoriedade da informação através das gerações. Um passa para o outro e do outro para mais um. Histórias de família, de regiões, de um povo e de uma crença.
Não se pode esquecer que nos terreiros dos engenhos a reunião entre os escravos para falar das coisas do dia, contar histórias sobre suas terras, relatar e argumentar, reclamar e mistificar a vida nos engenhos é possibilidade que a oralidade gera.
O que não era algo exclusivo das senzalas ou dos engenhos, mas da vida urbana conforme ela se desenvolvia. Da relação com o outro no mundo em que o que se fala nas ruas, o boca a boca é o canal de comunicação de um lugar com o outro. As coisas aconteciam nas ruas e entravam nas casas também pela oralidade. O escravo doméstico vindo da rua com a novidade do que se ouve falar.
O chafariz da rua da Vala, no Rio de Janeiro, hoje Uruguaiana, foi durante muito tempo, nos séculos XVIII e XIX o ambiente de encontro de escravos a procura de água para abastecer as casas de seus senhores e também se abastecer de informações sobre o que estava ocorrendo na cidade, a capital da colônia e mais tarde a do Império.
Importante entender que a oralidade não obedecia as controles do padrão da comunicação que se impunha sobre os meios formais. Se a linguagem dá a comunicação um potencial civilizador e sistemático de ideias e gera uma comunicação mais qualitativa, permitindo registros, a oralidade se liberta e invade a mente conduzida pela mão da racionalidade e da fantasia, lado a lado.
A roda de música fazia da canção o registro e interpretação do que ocorria. Muitas das informações relevantes e das críticas constantes seladas, ou mesmo do choro amargurado da vida que se levava vinha da canção. O que depois virou os temas das canções populares, críticas ao poder, às pessoas, aos hábitos. Mesmo os cânticos das religiões afro vieram da rua. Lá na oralidade que repousou o ambiente próspero da cultura que se consolidava registrada mais tarde.
Para se aguentar o trabalho tinha que se ter a canção. A amenização do sofrimento de um dia inteiro se anestesiava na forma de canção como a maneira de suportar o dia a dia. O conta gotas da vida que podia ter um bálsamo no motivo de seu final. Um encontro com outros para cantar as dores e quem sabe sentir algo além do que o corpo insistia em denunciar, a condição de escravo.
Noites a fio, dançando. Fato típico dos finais de semana, dias em que se podia “vara a noite” dançando sem o comprometimento do sacrifício do trabalho no dia seguinte. As comemorações musicais dos dias que antecedem o feriado, quase sempre santo, levava as danças sem fim. A cultura do Brasil começou nestes locais e foi ganhando forma de região para região.
A capoeira foi um dos elementos que nasceu dessa oralidade e gesticulação do período colonial. Marcou a presença de um povo e reconstruiu o significado cultural dentro de um território novo, redesenhando os sentidos dos lugares. Se esta presença afro marcou a vida de regiões como nordeste e sudeste do país. Outras regiões com composições diversas também teve suas marcas pela oralidade.
Os indígenas em determinadas regiões do país foram dominantes na formação da oralidade. O Norte, a região amazônica. As relações estabelecidas com os nativos geraram encontros que caracterizaram a cultura local. No centro-oeste há uma percepção destes elementos de forma significativa. Como nos pampas gaúchos. O regionalismo teve na oralidade e na dança dela derivada e acompanhante os instrumentos de formação de uma identidade.
Se pegarmos a formação inicial de São Paulo, a vila criada por desterrados em torno da escola jesuíta, terra das bandeiras, o indígena era o grosso da população no Século XVII. O crescimento dos elementos afros se deu ao final do Século XVIII e principalmente no Século XIX com o advento do café como produto agrícola. O que mudou significativamente a composição social, mais tarde com uma leva de imigrantes europeus e japoneses (estes no início do Século XX).
A mineração foi sem dúvida um atrativo para uma mão de obra qualificada de especialistas burocratas e administradores. A ideia de uma organização mais complexa para o controle das minas como o comércio interno advindo do abastecimento das gerais, termo usado para designar a extração de ouro e diante de Minas Gerais, Mato Grosso e Goiás, acabava por trazer para a população novos personagens.
Sem poder ter um impresso em território colonial, os jornais e livros que circulavam na Europa chegou na bagagem de muitos aventureiros que se instalaram na colônia. Um dos exemplos era o jornal A Gazeta de Lisboa, que circulava no Rio de Janeiro do Século XVIII. Lido por poucos, um sinal de elitização.
Mas além disso, livros, tratados, manuais e documentos passam a circulação com mais constância. Não em grande quantidade, mas o bastante para se fazer notar e diferenciar os elementos que fazem parte de um segmento que debateria a sociedade e o poder de forma diferenciada. Nasce a inteligência, um grupo determinado de pessoas capazes de alterar o curso do poder, mas sem o envolvimento de uma parte considerável da população que continua com a oralidade vivendo o dia a dia.
Comentários
1 min
Comentários
2 min