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A pior traição

As pessoas reclamam das magoas profundas feitas por outras pessoas. Elas reclamam das ofensas, das conspirações, das traições, de tudo o que os outros já lhe fizeram. Para muitos, a lista é grande. Magoas profundas. Inesquecíveis.

O alívio de ter a quem colocar a responsabilidade pela infelicidade é imensa. Conhecemos tantas pessoas hoje em dia. Neste ambiente de redes sociais, de contatos múltiplos e constantes. Sempre há um entrevero, uma rusga. Algumas se resolvem e outras crescem. Mas ter à mão o botão de delete ajuda. Como é fácil se livrar das pessoas e considerá-las um problema. Cultuar um culpado alivia a responsabilidade da nossa falta de medida.

Mesmo com os seres não virtuais. Aqueles que temos que olhar de frente, ou sentir o calor da proximidade, também nos aterrorizam. Nossa superficialidade das redes sociais tem se encarregado de envolver também as pessoas próximas aos nossos sentidos e sentimentos. Elas também pagam um preço elevado pela nossa forma de descarte e desprezo pela realidade.

Há um número imenso de pessoas confundido o egoísmo com a força do caráter. Não por acaso, estes seres costumam considerar que tem direitos sem terem cumprido obrigações. Apenas existem. Movidos pela crença alucinada de uma sensação superficial de poder construída sobre o vazio. O fraco se enfraquece e sua força vem de uma segurança suspensa no ar. Alguém, alguma coisa, precisa derrubar o alucinado.

Acredito que vivemos, no fundo, uma ausência de nós mesmos. Por sinal, evitar descobrir quem e o que, principalmente, somos é uma prática constante. A manutenção necessária para não ter que suportar a dor de conviver com a indigestão da verdade. Somos nosso maior inimigo. Por isso, transferir a culpa nos outros alivia o peso de nossa existência.

Por isso, nos traímos…

Logo, quando não gostamos da convivência com alguém, o que fazemos? Os corajosos, sinceros e verdadeiros, abrem o jogo, falam, ou tentam resolver ou se afastam. Mudam para a busca de uma relação melhor. Já os covardes, os fracos e temerosos do encontro consigo mesmo, buscam a traição. Não conseguem a coragem de encarar o desgosto e o desgostoso. Aliviam a dor com a vida paralela. Isto é o que muitos fazem consigo mesmos, se traem.

O que se coloca a culpa no outro, nada mais é do que arrumar um argumento para não assumir que há uma traição a si mesmo. Nós nos sabotamos. Buscamos viver a mentira de uma vida que não é nossa para se apegar as migalhas de um sentimento alheio ou a superficialidade de um momento. Nos apegamos em falsas crenças.

A fraqueza de alguns faz com que as mentiras que saboreamos sobre nós vire sustento nos dias. Nos ofertamos como coisa pronta, mas é casca. No fundo somos um produto que, sequer inacabado, é oco. Pelo espaço do nada transita qualquer coisa, desde que a forma não seja grande o bastante para sufocar nossa limitada capacidade de compreensão sobre a vida.

Não por acaso os cursos de autoajuda crescem de forma absurda. Alimentam a mente com lógicas fáceis, mas que escondem por de trás, um abrigo que ao primeiro vento cai. Por isso, as receitas mágicas nunca suportam o “mau tempo” das crises profundas. Por isso, nos traímos.

Sinto dizer, mas o caminho para paz é a trajetória de uma longa guerra. Travada dentro de nós na busca de construir um sentido para a vida. Nas contradições humanas da imperfeição é que vamos lapidando o caráter, sem transferir culpa, mas aceitando a dor e transformando-a em matéria prima para o amor. Ah! Por sinal, poucos sabem amar. Mas para aprender, tem que se conhecer. Sofre a dor do parto de tirar de dentro de si o que realmente é. Não se esconder. Se descobrir.

A descoberta, esta revelação do que somos, está na relação que estabelecemos com os outros. Para o existencialismo, considerados o “nosso inferno”. Os juízes fora de nós. Porém, os outros não são nós. Jamais poderão assumir nossa existência, viver nossas angústias ou saborear a nossa felicidade, quando ela verdadeiramente ocorre. Ou você se resolve o morre vivendo.

Devemos deixar o estado de ser em si para um ser para si. Assumir nossa existência e viver a parte que nos cabe, sem transferir para os outros as responsabilidades de nossos atos, sem lhe passar culpas que são nossas. Então, que venha a vida! Viva, sem se trair.

Versão em vídeo:

 

Comentários

  1. CRISTIANE CARVALHO PASQUINELLI disse:

    Gilson, que ótima contribuição! Talvez ainda valha olhar que muitos dos nossos comportamentos, ainda que inconscientemente, podem ser baseados na transgeracionalidade que permeia grande parte de nossos atos. Assim, ao tomar contato com o nosso inconsciente trazendo nossa história a consciência, temos a possibilidade de “crescer” fazendo diferente!

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