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Há um mundo que corre riscos e que pensadores ganharam destaque como aqueles que apontam para uma possibilidade de se evitar este fim do mundo. Bem, não é que o “fim do mundo” nos amedronte. O que realmente nos assusta é o fim da humanidade.
A vida seguirá seu curso sem a humanidade. Isso é fato. Não há o que contestar, a humanidade pode desaparecer e por mais que a vida fique restrita a alguns elementos, ela vai continuar.
Para inúmeros pensadores, a forma de evitar esta catástrofe genocida da humanidade é uma mudança de comportamento em relação a vida. Muitos destes pensadores foram desafiadores em sua lógica. Contrariam aquilo que a civilização ocidental organizou como parâmetro para a compreensão da existência durante milhares de anos.
Um destes críticos do homem contemporâneo é Emmanuel Levinas (1905-1995). O pensador de origem lituana e que constituiu sua vida na França, onde ele chegou jovem, com a família, fugindo das guerras do leste europeu, é influenciado por sua formação judaica e demonstra que a questão fundamental está na alteridade.
Levinas tem uma intensa e extensa carreira acadêmica. Dedicou-se a ensinar e pesquisar. Na França, país que adotou como sua terra, passou pelas universidades de Nanterre, Potiers, Sorbone, Lovaine e Leden. Deu aula, também, na Universidade de Utrecht e Universidade Hebraica de Jerusalém.
Por isso, é fundamental compreender o significado da alteridade, do que Levinas exalta em seu pensamento como o “outro”. Esta condição de viver jogado na percepção de que somos um reflexo, uma expressão e condição gerada pelos outros.
Sempre é bom não esquecer que nós também somos o outro para os demais…
A alteridade é o se preocupar com o outro, considerar o outro autônomo e entender sua dimensão a partir de uma consideração de sua própria forma de compreensão da realidade. Uma “realidade” que pode ser diferente a aquele que observa este mesmo outro.
Para Levinas, a alteridade tem papel central em sua análise. Podemos considerar até que, mais profunda em comparação com outros pensadores que a relevam. Para ele, a alteridade é o se jogar na lógica do outro como um determinante da própria ação. O que não significa fazer o que o outro quer, como se diz vulgarmente, “ser capacho da vontade alheia”.
O termo que Levinas usa é “jogado no outro”. Logo, isto significa que estamos jogados no outro, vivemos como um elemento que reflete a vida dos outros em nós. Podemos filtrar com a cadeia de valores que estabelecemos de forma voluntária ou não o que os outros expressam.
Nós mesmos estamos a todo o tempo considerando que a forma como a vida se coloca a nossa frente é um olhar nosso sobre ela. Porém, se esta vida não existisse, não existira a compreensão que temos. Seria necessário aceitar que não há nada de original em nossa mente. O que há é uma ordenação e reordenação, reflexão e suposição constante do que consideramos no mundo.
Não podemos esquecer que Levinas tem uma formação judaica que influencia e seus pensamento. A questão da alteridade e a importância que se dá a aquele que está, segundo o pensador, “face a face” com o outro são condições fundamentais para o seu conceito de ética.
Por sinal, ele considera que a ética é o sentido da filosofia. Sempre a consideração de nossa ação em relação aos outros deve ser elemento fundamental para a orientação da ação. E partindo deles, dos outros, para se praticar a ação ética, fazer para o outro.
Claro que antes de qualquer coisa é fundamental conhecer este outro, aquele com o qual nos relacionamos ou desejamos relacionar. Mais uma vez voltamos a falar da alteridade.
Dois pensadores inspiraram decisivamente Levinas, Edmund Husserl (1859-1938) e Martin Heidegger (1889-1976). Com este último acabou tendo uma desavença pela sua simpatia ao nazismo. Levinas, como Judeu, se sentiu agredido pelas posições de seu influenciador.
Vale lembrar que Heidegger pagou caro pela sua associação ao nazismo. O que até hoje é um elemento da história do pensador alemão que mancha sua trajetória.
Levinas buscou em seus estudos entender o papel do ser-humano diante da natureza. Qual seria a postura humana diante de um mundo ao qual este ser se coloca na condição de elemento decisivo. Logo, a história humana, a experiência humana é elemento fundamental para a compreensão do papel que se desempenha no mundo.
Como percebemos nossa existência em relação as outras pessoas. Como percebemos nossa condição no mundo, o que Levinas chamara de política filosófica. Nossa forma de se colocar diante daquilo que nos cerca nos faz expressar um posicionamento político.
Claro que vale lembrar que política aqui é a maneira como expressamos nossos valores diante do mundo e, mesmo não cientes ou conscientes, demonstramos nossa posição sobre os temas que com ele se relacionam, mesmo que seja de pura ignorância.
Para a fenomenologia há uma unidade entre sujeito e objeto. Contrário ao pensamento clássico do mecanicismo ou positivismo, onde o ser humano é separado da realidade que o cerca. Ou seja, eles são uma unidade indivisível, o ser-humano e o fenômeno que vive.
Entender a percepção do ser humano diante desta condição, deste fenômeno, desta “realidade” entendida, é o fundamento da fenomenologia. O que consideramos como essência das coisas são contaminadas pela “consciência”. O que Kant buscou analisar ao determinar que não seríamos capazes de ter uma visão objetiva da realidade, de nossas experiências.
Logo, seguindo uma lógica da fenomenologia de Husserl, nós sempre podemos ter uma nova visão da realidade e ter uma nova compreensão daquilo que vivemos. Não existe uma realidade acabada. Há uma condição construída pela percepção humana daquilo que se vive.
O que não significa que a realidade não possa ser estudada. Pode, deve, será, mas nunca terá na realidade o fundamento de seu sentido de existir. Este, é construído pelas experiências dos seres humanos com o fenômeno.
Aqui há que se ter a humildade de saber da árdua tarefa de definir a ética em Levinas relacionada a nossa relação com o “outro”. Este além de nós que é possibilidade e infinito.
Para Levinas, o fazer para o outro é condição absoluta. O outro é sempre elemento singular da relação, é nele que está a orientação para a nossa ação. Um fazer sem querer nada em troca. Agir para que o outro seja e fique melhor tendo a referência dele para esta condição e não a nossa.
Se faz pelo outro porque se transcende do que se é na busca de se realizar na condição que o outro é determinante. Logo, há uma condição que se dá na relação que se estabelece sem que se deseje objetivamente um resultado de favorecimento ao se fazer pelo outro.
Quando buscamos exemplificar esta argumentação, não há personagem que explique melhor a transcendência do fazer pelo outro do que Dersu Uzala. O personagem do filme, Dersu, é um nativo da região do Volga, na Rússia.
Ele prepara a cabana, conserta sua cobertura, arruma alimento e madeira, deixa um pouco de sal, antes de abandonar o abrigo. Os soldados que o acompanham perguntam o porquê ele faz aquilo. Dersu responde de pronto, para alguém que possa chegar à noite ou em meio a chuva e precise de alimento, de abrigo.
Dersu deixa a sobrevivência, a vida melhor, um legado de ajuda a quem não conhece, ao outro. Faz por ele sem querer nada em troca.
O personagem do filme do Diretor Akira Kurossawa é uma lição que deve ser considerado. Ele faz por alguém que está frágil no mundo. Que necessita de ajuda, que se torna responsabilidade de quem pode ajudar, fazer pelo outro.
Hoje, estamos a busca de um comportamento ético em relação a humanidade, em relação a tudo o que nos assola como injustiça. E os injustiçados que se colocam no mundo são muitos. Estamos sempre sensibilizados. Porém, o que fazer?
Para Levinas, o fazer é uma constante do ato. É agir, praticar a ação para aquele que existe diante de nós. Está a nossa frente. Aquele para o qual os fatos nos apontam diariamente a direção. Deveríamos nestas horas nos cobrar o sentido da ação na direção deste que pode nos dar significado.
Nos falta alteridade, como afirma Levinas. Nos falta conhecer o outro, compreender sua lógica e autonomia. Nos falta estar cientes de sua existência e diferença.
E se podemos conhecê-lo, nossa posição deve ser de agir por ele. Assumirmos a responsabilidade no ato de ser para o outro irredutível e intensamente.
Lembrando que somos o outro também. Porém, se não há por que não ser prioridade, por que nos priorizamos? Se o outro é prioridade, deve ser por ele.
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