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Educação de fé, mesmo nos tempos da razão

Nos debatemos inúmeras vezes com os temas religiosos ou a lógica divina dentro do ambiente escolar. A educação declarada laica na primeira república ainda é atravessada pelas crenças da ética cristã como fundamento. Muitos temas temas que deveríamos tratar com um procedimento orientado pela ciência dos homens acaba tropeçando na lógica das leis divinas.

Vale lembrar que não é uma crítica à religiosidade. Apenas uma confirmação de que estamos tratando de uma formação brasileira enraizada. Faz parte de nossas origens. O cristo redentor de braços abertos sobre a Guanabara expressa o como se crê que “Deus é brasileiro”. O desejo de que nossas dores sejam resolvidas pela interferência do sobrenatural. 

Os homens precisam se responsabilizar pelas dores criadas pela sua conduta. A educação deve nos mostrar o quanto a nossa capacidade de ação pode mudar a realidade sem que tenhamos que esperar um milagre. Mas, sempre esperamos. Consideramos também que a boa conduta está na frequência do templo religioso. Se a escola puder ser uma extensão deste templo, ficamos seguros de que o bom caráter será preservado no aluno que frequenta a educação de orientação religiosa. Será?

Para entender um pouco de onde vem isso…

A Ordem Jesuíta teve o papel principal na educação em boa parte do período de colonização. Instalada com a vida do primeiro Governador Geral do Brasil, Tomé de Sousa, a Companhia de Jesus foi um dos atos de reação a reforma protestante na Europa. Sua criação pelo nobre espanhol Inácio de Loyola demonstra o desejo de traduzir na ação da conversão a disciplina militar. A busca de fazer da defesa da Igreja Católica e da propagação de seus dogmas um ato de luta, se não pelas armas, pela cruz. Esta função os jesuítas souberam cumprir muito bem. 

A estratégia fundamental da educação inaciana era conservadora. Por mais que os padres da ordem tivessem o voto de pobreza, sua luta pela manutenção de princípios conservadores foi demonstrada na valorização dos temas ligados a religiosidade nas disciplinas organizadas em seus currículos. A instrução básica teria no latim a língua mater. As Sagradas Escrituras o fundamento moral para se organizar o pensamento nas aulas de lógica. E mesmo nas disciplinas de ciências naturais não poderia haver uma contrariedade com o que a doutrina cristã pregava. 

Não por acaso, os inacianos foram os propagadores e autores da arte barroca nas regiões do mundo onde atuaram. No Brasil, o Barroco predominou como fundamento estético mesmo quando os jesuítas foram expulsos de Portugal e do Brasil, em 1759. As igrejas impregnadas pela definição perfeccionista das faces humanas nas imagens sagradas. A decoração rica em materiais que seguiam adornos delicados de um ambiente de opulência para expressar nele a dimensão da fé. 

Na conduta com os alunos, mesmo com os indígenas ao que se dedicaram a conversão, era marcada pela disciplina rígida. Fazer obedecer a autoridade do superior e manter o corpo sempre sob o comando da mente atenta. A repetição do hábito construía a certeza de que a educação tinha sido bem ministrada. Horas de leituras do mesmo texto, infinitas vezes, até a memorização. Caso o corpo ea mente fraquejarem, o castigo físico daria conta de lembrar que para cada falha uma dor proporcional. 

A educação das crianças na colônia, privilegiando os filhos dos homens livres, mais os abastados, seguia como regra a conduta da disciplina das horas e do conteúdo. Mesmo dentro da ordem, nos seminários para a formação de novos padres, da alimentação regrada ao jejum necessário, os horários pré-determinados em que tudo se repetia ao longo dos dias, meses e anos de formação. 

Nos aldeamentos e missões, com os indígenas, a doutrina se deu pela domesticação do corpo. Por focar na formação das crianças que deveriam ser separadas de seus pais e avós para se evitar os vícios herdados. Vestir o indígena e lhe cobrir as “vergonhas”. Separar as famílias extensivas que tudo faziam em suas moradias sem parede. Colocar a ordem espacial e cultural europeia para que a moral se impregna e castre a originalidade. 

Muitos jesuítas morreram na busca de converter os nativos com sua lógica, porém o sucesso da empresa jesuíta é fato. Suas marcas ficaram. Os padres reproduziram em muitos territórios afastados dos núcleos coloniais pioneiros e litorâneos suas ações. Não por acaso, tempos cristãos e seus hábitos passaram a habitar regiões distantes, no sertão da colônia e foram núcleos importantes de ocupação e formação. A fundação de São Paulo pelos jesuítas, em 1554, com a inauguração do Colégio São Paulo de Piratininga, é um exemplo da capacidade de penetração da ordem inaciana. Lembrando que o núcleo foi obra de Manoel da Nóbrega e José de Anchieta, os quais saíram de Salvador, então sede da colônia, e superaram a Serra do Mar, então conhecida como “A Muralha”, para estabelecer a empresa evangelizadora. 

O processo de instrução dos nativos exigiu a construção de uma língua de comunicação. A obra catequética não teria sucesso se buscassem o uso do latim ou do português. Os nativos não dominavam a língua escrita. O guarani foi assimilado e utilizado para se tornar a chamada “língua geral”. Esta língua que predominou até meados do Século XVIII e foi substituída pelo português como língua oficial do Estado. 

A Ordem Jesuíta se estabeleceu ao longo de dois séculos e chegou a ter 25 residências, 36 missões, 17 colégios e 150 mil nativos aldeados. O mais importante núcleo de formação jesuítica no Brasil foi o Seminário de Olinda, em Pernambuco. Nele, os padres formaram seus alunos e prepararam alguns poucos indicados para os estudos na Europa. O destino mais comum foi a Universidade de Coimbra, dominada pelos jesuítas, mas também Montpellier e Paris. Hamburgo também foi um núcleo de formação de brasileiros da elite.

Um império de terra, gente e força que ameaçou a obediência à coroa portuguesa. Mesmo que tão devota a fé católica, se viu com a busca de fortalecer a autoridade através dos interesses do estado absolutista. O que os jesuítas se tornaram um obstáculo. Porém, o absolutismo português foi influenciado pelas ideias pombalinas. A educação inaciana não servia mais aos propósitos da sustentação lusa. 

O despotismo esclarecido que atingia os países europeus onde os monarcas preservavam sua autoridade suprema e buscavam modernizar as relações produtivas davam uma nova roupagem ao poder do Estado. Chegava o tempo das reformas pombalinas (1750 a 1777). O ministro do rei José I, o Marquês de Pombal, se tornou neste período a autoridade absoluta do reino. E quis forma uma nova nação, reformular as colônias e fazer de Portugal uma grande potência. Os ideais ficaram no papel, não se realizaram, e o resultado prático foi desastroso para a educação.

O legado da cruz na escola…

Por isso, ainda hoje, a tradição da educação e a questão religiosa se misturam. Faz parte da nossa formação social, nossa orientação de valores sociais, nossa cultura. A formação do homem se dá com a presença da mistificação dos atos e a esperança messiânica da salvação. A intervenção divina. 

Os debates acerca de questões sociais fundamentais esbarra nos valores de fé. Por isso, muitos temas caros a nossa vida social que deveriam ser tratados com mais racionalidade acabam por serem expressos pelo misticismo e crença. 

Não é, e jamais será o enfrentamento a quem tem sua crença, sua fé, sua religião. Apenas lembrar que o conhecimento científico nos dá o poder de lidar e superar nossos problemas. Permite ao ser humano assumir as rédeas de sua própria existência. Precisamos nos emancipar do fanatismo religioso para poder ter mais humanidade e ajudar a sociedade a ser melhor e menos violenta. O que qualquer crença divina de princípios verdadeiramente pacíficos prega, a paz. 

Comentários

  1. Ronis José Pereira Alves disse:

    muito bom.
    Muito obrigado professor.

    1. Gilson Aguiar disse:

      Eu que agradeço.

  2. Laisesilvasousa disse:

    Eu achei este texto ótimo para tirar as nossas dúvidas. Ótimo texto.
    O professor Gilson saber tira as nossas dúvidas.
    A muito tempo queria falar para ele quer eu gosto mesmo é das suas histórias que ele conta.
    Agradeço pelo texto…..

    1. Gilson Aguiar disse:

      Obrigado, agradeço pela avaliação e por te ajudado.

  3. Emili celestino belloni disse:

    Tudo muito bem explicado eu amei a forma como explica da para entender perfeitamente🤗

    1. Gilson Aguiar disse:

      Muito obrigado pela consideração.

  4. Sirlene de Freitas cunha . disse:

    Adorei a explicação

    1. Gilson Aguiar disse:

      Obrigado pela avaliação.

  5. Hertemiza Leite disse:

    Muito bom mesmo professor Gilson. Muito obrigado

    1. Gilson Aguiar disse:

      Obrigado pela avaliação!

  6. maria gomes da silva disse:

    muito bom professor por esse complemento,
    sabemos que a religião e a tradição da educação vao se misturar por que ambas sao essenciais para o desenvolvimento de uma sociedade forte e cheia de raça.

  7. Danubia B De Azevedo disse:

    OBRIGADA PROF GILSON,ADMIRO MUITO SEUS CONHECIMENTOS E PONTO DE VISTA.
    SUAS AULAS TEM ME MOTIVADO A CONHECER AS¨” RUÍNAS JESUITAS” ,SE O SENHOR TIVER ALGUMA DICA AGRADECERIA.

    1. Gilson Aguiar disse:

      Muito obrigado pelas suas palavras.

  8. Silvana Roskowski disse:

    Parabéns pelo texto e aproveito para parabenizá-lo por sua didática nas aulas conceituais, estudo de caso e lives que tivemos até agora, pois sua tranquilidade e conhecimento, até o momento, melhor professor que tive ….os outros foram bons, mas Sr .é excelente. Parabéns.

    1. Gilson Aguiar disse:

      Obrigado pelas palavras, honrado.

  9. Jaqueline disse:

    A sociedade se torna violenta, não por causa do fanatismo, mas por causa da dureza do coração do homem.

    1. Gilson Aguiar disse:

      Muito bonito o que você argumenta.

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